Aperte o Play +: As Histórias Que Queremos Contar 

Aperte o Play +: As Histórias Que Queremos Contar 

Compartilhamos uma iniciativa que ganhou vida dentro da Casa Thomas Jefferson, unindo educadores, bibliotecários e crianças em torno de uma prática que promove identidade, pertencimento e transformação.

Em tempos críticos como os que estamos vivendo, uma promessa que educadores podem se fazer é a de ter esperança. Esperança em uma escola que sonhamos existir: a que mobiliza, sensibiliza, acalenta e se regenera a partir das miudezas dos nossos cotidianos. A escola que ajuda a construir um mundo menos injusto e faz uso intencional de uma Educação Antirracista. Para isso precisamos de ir de mãos dadas. O tempo urge por pessoas que têm esperança. E, se articulam para testar possibilidades. 

Assim, se reuniu uma equipe multidisciplinar e diversa instigada para pensar em  caminhos e estratégias que trabalhassem, desde a primeira infância, a construção de uma sala de aula mais inclusiva e  mais afetiva.  O projeto, Aperte o Play+ nasce da premissa que a educação antirracista é de responsabilidade de todos. Assim como também é cultivada a alegria como descrita pela Dra. Gholdy Muhammad, em seu livro Unearthing Joy -  a prática de amar a si mesmo e à humanidade como o coração pulsante da nossa prática pedagógica.

Partindo de histórias, a Experiência Leitora é expandida embarcando nas Leituras Elásticas, um conceito e uma estratégia, criado por Carolina Sanches para estimular pensamentos divergentes/ convergentes, imaginação, pensamento integrativo, e a capacidade de equilibrar e conciliar ideias diferentes e contraditória. Um fluxo leitor ativo que aflora a curiosidade e o prazer em aprender para viver melhor. A intencionalidade transcende o contar histórias, pois a ideia é gerar um movimento onde a leitura se torna experiência, diálogo e ação. Cada história original é o ponto de partida para atividades que incentivam a experimentação, o pensamento crítico e o desenvolvimento de pessoas antirracistas e comprometidas com o bem social.

 

Expandindo a Discussão: O Que Vem a Seguir?

 

À medida que aprofundamos o debate sobre educação antirracista, surge uma questão fundamental: como iniciativas como o Aperte o Play+ podem ser ampliadas para além de ações individuais? Se a representatividade é um ponto de partida, a mudança sistêmica exige que esses princípios sejam incorporados a políticas institucionais, currículos escolares e ecossistemas educacionais mais amplos.

 

O projeto de educação antirracista - Aperte o Play+ fornece recursos valiosos, mas o impacto a longo prazo depende do compromisso estrutural—formação docente contínua, revisão curricular constante e a normalização de narrativas negras no cotidiano escolar. Outro aspecto essencial é a criação de experiências de aprendizagem interativas e imersivas, que vão além da simples recepção de conteúdo. A educação antirracista deve ser dinâmica, dialógica e orientada para a ação, garantindo que os alunos não apenas reconheçam as injustiças, mas também se sintam preparados para enfrentá-las. Aqui, as Leituras Elásticas e o componente MAKER do projeto desempenham um papel essencial, garantindo que as crianças se tornem leitoras ativas, capazes de construir novos significados a partir das histórias que encontram.


 
clique para ampliarclique para ampliarOficina Black & Beautiful (Foto: Daniel Fois)

Estudo de Caso: A Adaptação por um(a) Bibliotecário(a)

O Resource Center da Casa Thomas Jefferson, sendo parte de um Centro Binacional tem como uma de suas principais missões oferecer uma agenda cultural aberta à alunos e comunidade, que celebra importantes datas do calendário Brasil-EUA, e para o mês de Fevereiro o tema a ser trabalhado foi o ‘’Black History Month’’, data importante celebrada nos EUA. A equipe de Resource Center - Asa Norte foi a responsável pelo design da atividade que iria ser realizada em todas as unidades da Thomas.

 

Escolhemos para a nossa experiência educacional o tema transversal: Black & Beautiful. Como forma de homenagear este símbolo de resistência, que é o cabelo Black Power, os participantes desenhariam cabelos de todos os tipos - cacheados, crespos, tranças, etc - e reproduziriam suas texturas com linha, barbante, lã ou papel crepom para trabalhar aparências diferentes, bem como a coordenação motora fina, Junto da atividade, veio também a preocupação: como garantir um ambiente em que os participantes tivessem a liberdade de realizar suas artes de forma que a atividade não se tornasse algo que reforçasse estereótipos racistas acerca de pessoas negras e do cabelo Black Power?

Com esta pergunta norteadora em mente, enquanto responsável pela escrita pedagógica, buscamos o nosso serviço de consultoria interna do Thomas Maker - o SOS Thomas Maker para discutir sobre a atividade e formas de conduzi-la e, se necessário, adaptá-la ao contexto. Neste encontro foi apresentado o Aperte o Play+, que tinha em seu escopo fábulas que super casavam com a temática que iria ser abordada. Dentre elas, a escolhida foi ‘’Quilombinho’’.

Uma vez escolhida a fábula que iria ajudar a ativar o tema, o roteiro começou a ganhar forma. A ajuda da equipe do Maker fez total diferença na criação do roteiro da atividade com combinou o framework do Aperte o Play+ (ativar para engajar, brincar para criar) com uma thinking routine que fez com que o ambiente do RC se tornasse um lugar seguro para a aplicação do Black & Beautiful.  

O Black & Beautiful, sendo uma atividade que iria ser aplicada em todas as unidades da Thomas, precisava ter sua facilitação alinhada com todas as equipes de RCs, uma vez que desde o primeiro esboço no treinamento onde a atividade foi concebida, já havia preocupação de que este era um tema que, se trabalhado da forma errada, poderia gerar situações desconfortáveis e até mesmo reforçar preconceitos acerca de cabelos cacheados e crespos em geral, não somente de pessoas pretas.

Partindo da realidade de que nosso público ainda é, em sua maioria, composto por alunos brancos, um dos grandes desafios era gerar empatia nos alunos não negros. Nesse contexto, a fábula “Quilombinho” foi essencial. Nas partes da história em que eram mostradas crianças com diferentes tipos de cabelo, algumas perguntas eram feitas: “Você gosta do seu cabelo?” — a grande maioria respondia que sim. Em seguida, vinham outras perguntas provocadoras: “Por que você gosta do seu cabelo?” “Você consegue se imaginar sem cabelo ou com um cabelo totalmente diferente do seu?” A partir dessas provocações, abria-se espaço para a discussão. Era nesse momento que os participantes começavam a expressar suas opiniões, até que se chegava a um consenso: o que torna o cabelo tão importante é o fato de ele fazer parte da nossa identidade.

Então chegava a próxima parte da história. Em um salão, havia um cartaz com os dizeres “My black is my crown”. Essa parte foi muito especial, pois marcou o momento de afirmar, para todos, que os nossos cabelos são as nossas coroas — sejam eles cacheados, lisos, crespos ou ondulados.Após a história, a narrativa já estava montada para que as crianças pudessem colocar a mão na massa, criando lindos desenhos e cabelos de várias formas e texturas, que foram expostos e transformaram nossa biblioteca em uma linda galeria: a exposição Black & Beautiful.

A atividade Black & Beautiful foi originalmente desenvolvida para a faixa etária de 4 a 12 anos. No entanto, os professores gostaram tanto da condução da atividade que ela acabou sendo adaptada também para os adolescentes. Com esse novo público, foram utilizadas as imagens da história acompanhadas das perguntas provocadoras sobre os cabelos. Em seguida, foi apresentado um trecho da biografia de Ângela Davis, que serviu tanto para introduzir a personalidade escolhida quanto para contextualizar o Black History Month. Nessa faixa etária, a atividade exigia mais reflexão e discussão, o que proporcionou conversas ricas e significativas.

Hoje em dia, com o excesso de informações e o consumo rápido de conteúdo, prender a atenção das crianças se tornou um desafio ainda maior. Uma dica que funciona na prática é criar expectativa: antes de apresentar o tema ou iniciar a atividade, crie algo que empolgue e, ao mesmo tempo, introduza o assunto de forma envolvente.

Aqui, por exemplo, quando o professor marcava uma visita ao Resource Center com seus alunos, o único pedido era que não contasse o que fariam. Ao chegarem, as crianças encontravam três caminhos de barbante no chão: um reto, outro ondulado e um com várias voltinhas, como se representassem diferentes tipos de cabelo. A brincadeira começava com o jogo “The floor is lava”, em que elas precisavam seguir as linhas. Depois de se divertirem e se movimentarem bastante, era hora da história. Mas, antes, mais uma pergunta norteadora: “Essas linhas parecem com algo?” — as respostas variavam de “parece uma cobra” até “uma teia de aranha”, mas alguém sempre dizia: “Cabelo!” E assim o tema era introduzido de forma leve e participativa.

Outra dica importante é não esperar que crianças conheçam figuras históricas. Lembre-se: são crianças. Se elas não souberem, explique de forma acessível, sempre buscando incluir todas na conversa. Evite exposições longas; use perguntas norteadoras e provocativas. E, acima de tudo, lembre-se de que estamos lidando com seres em formação. Se uma criança pedir um lápis “cor de pele”, ofereça um lápis marrom e incentive o questionamento — sem repreender. Se alguma disser que um cabelo é “feio”, converse. Nosso papel como educadores é ensinar, não corrigir de forma punitiva.

clique para ampliarclique para ampliarExposição dos trabalhos finais (Foto: Daniel Fois)

No fim, a atividade foi um sucesso em todas as faixas etárias. Com o apoio do Thomas Maker e dos recursos do Aperte o Play+, foi possível criar um roteiro envolvente que manteve os participantes engajados do início ao fim da atividade.

A educação é uma ferramenta poderosa de transformação social. Por meio da representatividade intencional, e da aprendizagem baseada no afeto e na ação propositiva, podemos construir um mundo mais justo e inclusivo. Queremos ajudar a ver e, mais do que ver, agir. Botar a mão na massa. Valorizar o coletivo, a busca por soluções e a mudança de perspectivas que a Cultura Maker propõe.

As Leituras Elásticas desempenham um papel fundamental nesse processo. Elas permitem que as crianças não apenas consumam histórias, mas as ampliem e ressignifiquem. Ao conectar literatura e ação, transformam narrativas em experiências concretas e imersivas, consolidando a educação antirracista de forma significativa. 

O sucesso dessa aplicação do Aperte o Play+ convida educadores e bibliotecários a experimentarem, adaptarem e compartilharem suas próprias experiências.

Para mais informações sobre o Aperte o PLAY+, visite seu site oficial.

Por: Daniel Frois

Colaboração: Dani Lyra



Sarah - Maker, 5/Mai/2025