O movimento do fazer abre oportunidades para que aprendizes (estudantes e educadores) possam ressignificar a maneira que ensinam e aprendem no século XXI. Mas quais são as principais características do design instrucional e das metodologias que facilitam e fomentam a entrada da Maker Education? Como nós podemos embasar o movimento do fazer ao ponto de argumentar a seu favor dentro do currículo escolar? Muitas das características principais de atividades maker – descobrir as coisas por conta própria, aprender fazendo e colaboração, são conceitos definidores da educação progressista e baseiam-se em três pilares teóricos e pedagógicos: educação experiencial, construcionismo e pedagogia crítica.
O filósofo John Dewey enfatiza o aprender fazendo. Dewey rejeitou noções tradicionais de educação que tratavam o conhecimento como algo que poderia ser depositado em mentes passivas. Ele via o conhecimento como um processo dinâmico que se potencializa por meio da interação reflexiva e iterativa com as exigências e desafios práticos de se fazer, criar e construir.
“Dê aos alunos algo para fazer, não algo para aprender;
e se a atividade exigir pensar e conectar ideias,
os estudantes naturalmente aprenderão“
John Dewey
O pensamento do psicólogo Lev Vygotsky originou a corrente pedagógica socioconstrutivismo ou sociointeracionismo e promove a ideia de que toda aprendizagem é social. Vygotsky propôs a ideia de desenvolvimento proximal – a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender – potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto ou um parceiro que saiba um pouco mais. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.
Em uma sala de aula tradicional, na qual alunos são nivelados e todos estudam os mesmos conteúdos ao mesmo tempo, esse desafio pode ser maior. Em uma aula maker esse compartilhamento de informações é mais dinâmico e estimulante. Apesar de não ter formulado uma teoria pedagógica, a vasta obra de Vygotsky, com sua ênfase no aprendizado, ressalta a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente.
Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, “puxando” dela um novo conhecimento. Para o psicólogo, todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma conteúdo ou habilidade, pois amplia as estruturas cognitivas da criança. Numa aula maker, por exemplo, com o domínio da programação, o aluno adquire também capacidades de reflexão sobre como pode criar o seu próprio jogo.
Paulo Freire criticou a educação e a descontextualização do currículo. O educador acreditava que projetos da sala de aula devem estar conectados com desafios reais, seja em nível pessoal ou comunitário, e que estudantes e professores devessem projetar soluções para esses desafios. Temos no Brasil exemplos de projetos premiados que implementam essas idéias, com reconhecimento mundial. O trabalho da professora Débora Garófalo e do professor Jayse Antônio nos mostram que é possível mudar a maneira que trabalhamos nas escolas públicas se vencermos as nossas barreiras políticas e sociais.
Seymour Papert, matemático que trabalhou ao lado de Piaget por anos, foi um dos primeiros a advogar pelo uso de tecnologia digital na educação. Considerado por muitos como pai do ressurgimento do fazer em ambientes educacionais, ele sustenta que o aprendizado acontece melhor quando os aprendizes trabalham diretamente com “mídia manipulável” – Lego, argila, aplicativos de codificação, máquinas de prototipagem rápida ou até mesmo recicláveis. Papert deixou clara a relação entre construtivismo e construcionismo, a ênfase importante em fazer projetos tangíveis e a inclinação para compartilhar.
Construcionismo (uma teoria da aprendizagem e uma estratégia para a educação) tem por base dois tipos de construções: Primeiramente, explica que a aprendizagem é um processo ativo no qual pessoas constroem conhecimento por meio das experiências com o mundo real. Pessoas não absorvem conhecimento, elas o constroem; Esses novos conhecimentos são mais facilmente construídos quando pessoas estão envolvidas na criação de um objeto ou sistema que tenham valor pessoal, que faça sentido e envolva interesses pessoais. Esses objetos podem ser um castelo de areia, um poema, máquinas de LEGO (Resnick, 1994), ou programas de computador (Harel, 1991; Kafai, 1995). O que realmente importa para o construtivista é que os aprendizes estejam engajados em um projeto que desperte paixões e motivação intrínseca, resolva um desafio real com pessoas e o compartilhe com outras pessoas fora da sala de aula.
O Maker-Centered Learning (MCL – Aprendizado Centrado no Fazer) possui fortes conexões com o Project-Based Learning (PBL – Aprendizado Baseado em Projetos). Ambos são orientados por interesses, podem usar conhecimentos e habilidades especializados e estimulam colaboração e iteração com frequência. Além disso, usam diversas tecnologias de aprendizado (de lápis e papel a ferramentas digitais e analógicas) e em ambos, espera-se que os alunos criem produtos tangíveis que tornam os processos de aprendizagem visíveis. Existem de fato muitas semelhanças entre as duas abordagens, mas existem também diferenças importantes.
Em PBL, os projetos executados pelos alunos são tipicamente desenvolvidos ao longo de período estendido de tempo e giram em torno de uma pergunta norteadora intimamente relacionada ao conteúdo do currículo. Esses aspectos podem estar presentes no MCL. Por exemplo, MCL é normalmente guiado pelo interesse dos alunos; às vezes envolve a utilização de conhecimento e habilidades de experts; é frequentemente colaborativo; envolve o uso de estratégias e ferramentas de aprendizagem desde de sucata até uma variedade de recursos digitais; e ao produzir objetos, os alunos criam representações tangíveis de sua aprendizagem. No entanto, as diferenças entre PBL e MCL precisam ser observadas. PBL é uma abordagem instrucional bem estruturada que possui determinados critérios que são frequentemente utilizados para enquadrar um currículo inteiro e é tipicamente regida por perguntas abrangentes que propiciam a investigação interdisciplinar. O MCL não precisa estar vinculado a um currículo tão estruturado, ele pode conversar com várias disciplinas e aulas, muitas vezes acontece no o seu próprio espaço conceitual e físico e permite que o engajamento seja regido pela atração e desafio de criar objetos, como videogames e engenhocas.
Uma sala de aula maker estimula o fazer em grupos e o aprender é um ato social. São estimulados projetos onde alunos muitas vezes precisam ensinar aos seus professores ou seus colegas. Por exemplo, um aluno pode saber mais sobre a programação que um professor, e ensiná-lo. Aprendizes podem ajudar o professor ao dar suporte como mentor de um aluno que quase consegue fazer a atividade ou projeto, mas ainda precisa de um pouco de suporte. Alunos podem ensinar uns aos outros, ou entrar em contato com especialistas, mesmo que estejam do outro lado do mundo. O movimento do fazer atribui um papel crucial às relações sociais no processo de criação de soluções. MCL nos dá a oportunidade de colocar os ensinamentos de filósofos, pesquisadores e educadores progressistas em ação e criar espaços onde a grande virada de uma educação construtivista para uma educação mais engajadora aconteça.
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Sarah - Maker, 17/Set/2024